segunda-feira, 26 de abril de 2010

Amar ao próximo é redundância

Aqui em Goiás, sempre que uma pessoa diz amar outra, ela ouve a seguinte pergunta: Já comeu um quilo de sal com ela, pra dizer que a ama? Não sei, na verdade, se essa é uma expressão goiana apenas, nem sei suas origens, mas sei seu significado.
Pense no sal.É preciso uma pequena dose dele para temperar uma comida e deixá-la saborosa. Assim,mesmo nos hábitos do brasileiro,em que as comidas são mais temperadas que em outras partes do mundo, um quilo de sal dura muito, muito tempo. Imagine, então, em uma outra cultura...
Assim, comer um quilo de sal com uma pessoa significa conviver com ela o tempo gasto para se consumir um quilo de sal, ou seja, muito tempo. Comer um quilo de sal com uma pessoa significa tornar-se íntimo e próximo dela.Esta, é, então, uma compreensão verdadeira:a de que só podemos dizer que amamos alguém, depois de convivermos muito tempo próximo desse alguém.
Aqui em Goiás, existe ainda, enraizado na cultura e na ética um mandamento que, na verdade, permeia várias sociedades, sejam elas ocidentais ou orientais:Amar ao próximo como a si mesmo.O próximo, nessa ordem, pode e tem sido interpretado como o semelhante humano, seja ele quem for. Sendo ser humano é próximo.Tem sua lógica, tem sua razão.
Contudo,concordo com Rubem Alves que diz que Jesus nos mandou amar ao próximo, porque amar ao distante é muito fácil.Ou seja, só estando próximo de alguém, nos tornaremos íntimos e poderemos conhecê-lo verdadeiramente,amá-lo verdadeiramente.
O dito goiano do sal faz eco...
Ser próximo, semelhante a um ser, vai muito além da igualdade de características biológicas e de processos bioquímicos. Só estando perto, vive-se a vida e a morte em conjunto. É estando próximo, próximo até demais às vezes, que se experimenta a podridão humana comum, seja ela física ou moral ou intelectual. É estando próximo que, igualmente, se experimentam a vida, o brilho, os aromas de ser humano comuns.
Sobre aquele que está distante, geralmente, construimos fantasias e ilusões. Não o vemos face a face. Não sentimos seu hálito. Não vemos seus sorrisos, suas rugas, suas lágrimas, seus emburros.E se algum dia vimos, a memória se esvai...
Daquele que está longe nutrimos, no máximo, uma compreensão do ser, um carinho descompromissado, uma admiração distorcida que beira à fantasia. Amar de verdade, no mais profundo sentido da palavra, só é possível de quem se está próximo. Amar ao próximo é, em última instância, redundância.

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